sábado, 21 de maio de 2016

Agências reguladoras: transparência, controle e análise de impacto regulatório


Cristiane Caravana, Advogada do Sindigás 
A obrigatoriedade da Análise de Impacto Regulatório (AIR), recentemente estabelecida, traz de volta uma pergunta antiga: como anda a questão da transparência nas agências reguladoras? Criadas por lei, essas autarquias, por serem de regime especial, possuem maior autonomia, seja administrativa, política, econômica ou financeira. Tal independência consagra a grande importância do papel desses entes, pois garante seu próprio funcionamento e impede que sofram indevidas ingerências do poder estatal, resguardando seus objetivos essenciais.

Entretanto, de forma geral, a dita autonomia conferida a essas autarquias, assim como o grande poder conferido de fiscalizar e normatizar as atividades dos mais diversos setores da economia, fizeram delas grandes centros fechados de poder.

O que muitas vezes cai no esquecimento é que, pelo fato de fazerem parte da Administração Indireta, sendo na realidade, órgãos de Estado e não de governo, deve haver primazia, dentre outros, do princípio da legalidade, publicidade e moralidade. Contudo, em diversos casos, falta bastante para que elas consigam atender os pontos essenciais para desempenharem de maneira correta sua real missão, visto que muitas vezes a independência dos agentes reguladores faz com que se insurja um insulamento do corpo técnico frente ao setor regulado e, até mesmo, frente ao próprio governo, resultando em danos para a sociedade.

Além do dever de respeitar os princípios constitucionais que norteiam a Administração Pública, as agências devem, ainda, estar pautados e em conformidade com o ordenamento jurídico. Para tal, existe a possibilidade de que a atuação desses entes fique sujeita a alguns tipos de controle, como o realizado pelo TCU, que já manifestou preocupação quanto à falta de transparência nos trabalhos de agências reguladoras. Houve questionamentos do órgão sobre as políticas adotadas pela ANP, ANTT, ANTAQ, ANAC e ANA, citando a falta de estrutura que permitisse à sociedade o acompanhamento das decisões tomadas pelas agências. O TCU apontou variadas situações em que não foram divulgadas, por exemplo, pautas prévias das reuniões e mesmo casos de inexistência de atas dos encontros.

Além do controle exercido pelo TCU, pode-se, ainda, destacar outros tipos, como: o administrativo (que ocorre internamente); o do Poder Legislativo, disposto no artigo 49, X, CRFB/88 e o exercido pelo Poder Judiciário, assim como pelo próprio MP. Contudo, existe um tipo de controle que acaba ficando no esquecimento, e é muitas vezes desvalorizado: o controle social.

O controle social é uma hipótese de atos de fiscalização que são exercidos diretamente pela sociedade nas atividades desenvolvidas pelas entidades reguladoras. Essa possibilidade pode se configurar através de denúncias ou representações, exigindo análise das decisões proferidas pelos entes reguladores que estejam em desconformidade, por exemplo, com o contexto econômico e social. Todavia, o que se observa é que nem sempre a sociedade tem acesso às decisões proferidas, impossibilitando o exercício desse tipo de controle.
Cumpre pontuar que a possibilidade de controle social pela população faz com que se desenvolva um mecanismo diferenciado de cobrança de prestação de serviços públicos, com eficiência e qualidade. Além disso, por ser uma expressão direta da cidadania, esse exercício se demonstra legítimo e potencialmente eficaz, além de não ser uma forma dispendiosa.

Vale destacar que todo esse cenário vem sendo modificado aos poucos, com a adoção vagarosa por algumas das agências dos requisitos exigidos em lei, fazendo com que renasça a esperança da efetiva melhora do modelo regulatório brasileiro. Contudo, um longo caminho ainda deve ser percorrido.

Isso porque a transparência e a publicidade, princípios basilares de todos os atos praticados pelos agentes administrativos, ainda não são amplamente respeitados. Vale esclarecer que não se discute os casos de sigilo permitidos em lei, cabíveis sempre em caráter excepcional. Discute-se a privação de acesso de atos, decisões e manifestações, essenciais para a boa prática regulatória.
Em consequência disso, é grande a insegurança jurídica existente por parte da sociedade e mesmo do próprio setor regulado, perante questões regulatórias controversas e atos arbitrários que tentam ser maquiados por Consultas e Audiências Públicas meramente representativas.

À vista do exposto, é oportuno avultar um mecanismo essencial para garantia de uma melhor regulação em um sistema tão falho e incoerente: A Análise de Impacto Regulatório – AIR – instrumento de aperfeiçoamento da eficácia e da eficiência da atividade regulatória. É uma ferramenta que examina e avalia os prováveis benefícios, custos e efeitos das regulações novas ou alteradas.
 
Cumpre ressaltar que, recentemente, o TCU publicou o Acórdão nº 240/2015, através do qual houve recomendação às agências reguladoras para adoção de boas práticas abordando, especificamente, a importância de AIR. Frisa-se que o órgão atuou de acordo com as diretrizes emanadas, destacando-se a necessidade de envolvimento do público extensivamente e a necessidade de aplicação de AIR tanto para novas propostas regulatórias como para revisão de regulação existente.
 

Ainda segundo o TCU, salienta-se que a exposição dos motivos para tomada de decisão presentes na AIR e sua instrumentalização fazem com que sejam observados os princípios da legitimidade, equidade, transparência, sendo realizada a devida accountability no processo regulatório das Agências. Deste modo, fica claramente demonstrado que existe um caminho coerente e legítimo para regularizar as desigualdades, desvios e falhas existentes no atual sistema regulatório brasileiro.
 

A outro tanto, vale salientar as boas práticas de algumas agências reguladoras, como a ANVISA, que desde 2007 trabalha na implementação da AIR em suas práticas regulatórias. Assim como as políticas adotadas pela ANEEL e ANATEL, bem como pela ANS, que desde 2012 vem adotando em seus processos de regulação o sumário executivo de impacto regulatório.
 

Fica evidente que, com o constante aumento dos impactos regulatórios nas economias, assim como a necessidade de melhor avaliação do custo-benefício resultante deles, a AIR se apresenta como a melhor alternativa para todos os agentes envolvidos na sistemática regulatória. Isto porque os métodos utilizados podem nortear as ações dos reguladores com  maior transparência, viabilizar a participação dos interessados e da sociedade, assegurar a responsabilização e propiciar a minimização dos custos de transação no processo regulatório.

Por todo exposto, conclui-se que a questão de transparência dos atos das agências reguladoras não é um favor prestado à sociedade ou mesmo ao respectivo setor regulado. Na realidade, configura um fator essencial que está intrinsecamente ligado à existência dessas entidades. Portanto, a não observância desse preceito que tem tamanha relevância acaba resultando em um ambiente de extrema insegurança regulatória, causando extenso dano, abrangendo os agentes sujeitos à regulação, à sociedade e, obviamente, confrontando todo ordenamento jurídico.



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